Eliane Calheiros Cansanção
A
psicopedagogia surge para atender as crianças e adolescentes que por
diferentes fatores estão excluídos ou se excluem eles mesmos do sistema
educacional. As dificuldades de aprendizagem aparecem especificamente
na área da linguagem e/ou cálculo, ou na relação com a aprendizagem, o que
contribui para que o aprendiz não consiga acompanhar o processo
educacional. Num primeiro momento, a intervenção psicopedagógica
clínica esteve voltada para a busca e o desenvolvimento de metodologias que
melhor atendessem aos portadores de dificuldades, ou seja, aos excluídos,
tendo como principal objetivo fazer a reeducação ou remediação e, desta
forma, promover o desaparecimento do sintoma.
A
psicopedagogia hoje é a área que estuda e lida com os processos de
aprendizagem e suas dificuldades. Vem construindo sua teoria através de
práxis, enriquecida pela contribuição de diversas teorias, como a
psicanálise, a psicologia genética, a Lingüística, a neurologia, entre
outras. Seu objeto de estudo é o processo de aprendizagem humana, o
“sujeito aprendendo” como cita Alicia Fernández.
o
sintoma do não-aprender é entendido como um sinal, produto, emergência de uma
desarticulação dos diferentes aspectos da aprendizagem, a saber: o
afetivo, o cognitivo e o social.
O
campo de atuação da psicopedagogia é clínico e preventivo.
O
trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e
sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem do outro
sujeito implica no não aprender. A clínica está mais voltada para a
terapêutica e o atendimento é em consultório.
Alicia
Fernández coloca que independente do espaço de trabalho o psicopedagogo deve
ter um olhar e uma escuta clínica tanto no consultório como na instituição,
mesmo que na instituição não se faça tratamento psicopedagógico.
O
trabalho preventivo é de orientação no processo de ensino-aprendizagem,
visando favorecer a apropriação do conhecimento do ser humano ao longo de sua
evolução. Ocorre em instituições de saúde mental e de educação
como: hospitais, escolas, empresas.
O
trabalho do psicopedagogo na instituição escolar é de prevenção e se dirige
também a detectar os problemas de aprendizagem, colaborar com os planos
educacionais através de diagnóstico e propostas metodológicas adequadas,
tentando desta forma evitar os fracassos educacionais e a melhorar os
resultados de aprendizagem sistemática e assistemática.
Para
Alicia Fernández, o papel do psicopedagogo na escola é de escuta da relação
professor-aluno. É necessário aqui citar a diferença entre dificuldade
de aprendizagem e fracasso escolar, este ocorre na instituição escolar,
predominam fatores etiológicos referidas as causas externas a criança e sua
família. As dificuldades de aprendizagem encontram-se no sujeito e na
dinâmica familiar.
Em
geral, as dificuldades de aprendizagem instalam-se antes do ingresso da
criança na escola. E ao ingressar na escola, cuja meta é a aprendizagem
formal, elas surgem mais claramente através de diferentes sintomas.
Nesse
caso faz-se necessária a intervenção clínica do psicopedagogo como
especialista na área. Nosso principal objetivo é a investigação da
etiologia da dificuldade de aprendizagem, como também a compreensão deste
processo de aprendizagem, considerando todas as variáveis que intervém no
mesmo. Será necessário a compreensão dos aspectos cognitivos, afetivos,
orgânicos, pedagógicos, sociais e culturais, como também observar as
modalidades de aprendizagem utilizada pelo sujeito e que em parte também
justifica o sintoma.
O
psicopedagogo tem como objetivos promover a reelaboração do processo de
aprendizagem do sujeito que apresente dificuldade, desenvolver no sujeito o
prazer de aprender, propiciar condições para que o sujeito desenvolva
autonomia, como cita Noffs (1995).
O
tratamento psicopedagogo deve ter como meta abrir um espaço onde o paciente
possa falar e ser escutado, para que possa entender-se e organizar-se a
partir da escuta do outro. Um espaço não para revelar o que é
importante, mas para que se fale o que precisa ser reconhecido como
importante.
O
terapeuta, como define Alicia Fernández (1987), é alguém que com sua escuta
outorga valor e sentido à palavra de quem fala, permitindo que ele se
organize (começar a entender-se) precisamente a partir de ser escutado.
Segundo
Alicia Fernández (1992), o objetivo de toda intervenção psicopedagógica é
abrir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria de pensamento seja
possível. É a partir deste que pode surgir o sujeito aprendente.
Sara
Paín define aprendizagem “como processo que permite a transmissão de
conhecimento de um outro que sabe (um outro de conhecimento) a um sujeito que
vai chegar a ser sujeito, exatamente através da aprendizagem”.
Alicia
Fernández cita que a aprendizagem é “um processo que ocorre no vínculo entre
o ensinamento e o aprendente em uma interrelação”. Inicia quando a
pessoa nasce e seus primeiros ensinantes são os pais ou substitutos que
intervém na história e lhes transmitem significações. É aí onde se
constrói a matriz organizadora de posteriores aprendizagens.
Ao
chegar à escola, a criança já traz uma maneira própria de aprender, uma
modalidade de aprendizagem, construída através de sua história, da história
familiar e da significação dada pela família ao conhecimento.
Ao
nascer, o bebê necessita de cuidados especiais, é totalmente dependente,
precisa de um outro que cuide dele, alimente, “uma mãe nutridora”.
Necessidades que são expressas em movimentos e sons, os quais é a mãe que
significa esses sons como palavras e pensamentos. É nesse momento que a
mãe investe a criança de humanidade, ao dar um significado às necessidades do
bebê e incluí-lo assim em uma cultura. A mãe, ao outorgar, dar este
amor, estabelece um vínculo com esta criança que é fundamental ao seu
desenvolvimento.
Sara
Paín (1985) cita quatro fatores que interferem no processo de aprendizagem,
que são: os fatores orgânicos (sensoriais, neurológicos,
endocrinológicos e as condições de alimentação), fatores específicos
(psicomotores, leitura, escrita), fatores psicógenos (sintoma e inibição ao
nível egóico) e fatores ambientais, que incidem mais sobre os problemas
escolares que sobre os problemas de aprendizagem. E trata o
não-aprender como um sintoma que precisa ser desvendado, e cujas origens
estão na constituição orgânica (que estabelece os limites) e na articulação
crianças-pais.
Alicia
Fernández (1987) se refere às dificuldades para aprender como fraturas no
processo em que três dimensões estão sempre presentes: a do corpo, a de
inteligência e do desejo. Onde predominam fatores etiológicos referidos
a causas internas da criança e a sua família não há uma causa única, nem
situações determinantes do problema, o que se tem que encontrar é a relação
particular do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender.
O
diagnóstico psicopedagógico subsidiará a intervenção onde a mesma apóia-se na
demanda do cliente e na escuta do terapeuta psicopedagogo. Como
exemplo: num quadro disgráfico, para promover mudanças efetivas,
cabe-nos compreender a natureza da disgrafia, como ela surge e se manifesta e
como está contextualizada. A partir deste momento, observa-se quais as
formas de trabalho que terão boa receptividade com o cliente.
Os
aspectos subjetivos e objetivos devem ser tratados de acordo com as demandas
específicas do cliente. É necessário considerar as escolhas das
diferentes modalidades de jogo, o desenho, a produção de textos, leitura e a
dramatização, oportunizem a simbolização de conflitos, o que em si já é
terapêutico. Como também realizar um trabalho de orientação com a
família e a escola.
No
final do século XX e início deste século, a aprendizagem tem sido um tema de
muita discussão e pesquisa, devido ao momento de grandes transformações e
mudanças no mundo, as quais interferem diretamente na formação do indivíduo e
na sua aprendizagem.
Anny
Córdie cita, então, que o fracasso escolar, a dificuldade de aprendizagem se
tornaram sinônimos de fracasso de vida. Ser bem-sucedido na escola é
ter uma perspectiva de vida melhor, significa “ser alguém”, reafirmando,
portanto, a importância do trabalho preventivo na escola.
|