31 de agosto de 2015

Psicopedagogia e Dificuldades de Aprendizagem

 Eliane Calheiros Cansanção

A psicopedagogia surge para atender as crianças e adolescentes que por diferentes fatores estão excluídos ou se excluem eles mesmos do sistema educacional.  As dificuldades de aprendizagem aparecem especificamente na área da linguagem e/ou cálculo, ou na relação com a aprendizagem, o que contribui para que o aprendiz não consiga acompanhar o processo educacional.  Num primeiro momento, a intervenção psicopedagógica clínica esteve voltada para a busca e o desenvolvimento de metodologias que melhor atendessem aos portadores de dificuldades, ou seja, aos excluídos, tendo como principal objetivo fazer a reeducação ou remediação e, desta forma, promover o desaparecimento do sintoma.
A psicopedagogia hoje é a área que estuda e lida com os processos de aprendizagem e suas dificuldades.  Vem construindo sua teoria através de práxis, enriquecida  pela contribuição de diversas teorias, como a psicanálise, a psicologia genética, a Lingüística, a neurologia, entre outras.  Seu objeto de estudo é o processo de aprendizagem humana, o “sujeito aprendendo” como cita Alicia Fernández.
o sintoma do não-aprender é entendido como um sinal, produto, emergência de uma desarticulação dos diferentes aspectos da aprendizagem, a saber:  o afetivo, o cognitivo e o social.
O campo de atuação da psicopedagogia  é clínico e preventivo.
O trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem do outro sujeito implica no não aprender.  A clínica está mais voltada para a terapêutica e o atendimento é em consultório.
Alicia Fernández coloca que independente do espaço de trabalho o psicopedagogo deve ter um olhar e uma escuta clínica tanto no consultório como na instituição, mesmo que na instituição não se faça tratamento psicopedagógico.
O trabalho preventivo é de orientação no processo de ensino-aprendizagem, visando favorecer a apropriação do conhecimento do ser humano ao longo de sua evolução.  Ocorre em instituições de saúde mental e de educação como:  hospitais, escolas, empresas.
O trabalho do psicopedagogo na instituição escolar é de prevenção e se dirige também a detectar os problemas de aprendizagem, colaborar com os planos educacionais através de diagnóstico e propostas metodológicas adequadas, tentando desta forma evitar os fracassos educacionais e a melhorar os resultados de aprendizagem sistemática e assistemática.
Para Alicia Fernández, o papel do psicopedagogo na escola é de escuta da relação professor-aluno.  É necessário aqui citar a diferença entre dificuldade de aprendizagem e fracasso escolar, este ocorre na instituição escolar, predominam fatores etiológicos referidas as causas externas a criança e sua família.  As dificuldades de aprendizagem encontram-se no sujeito e na dinâmica familiar.
Em geral, as dificuldades de aprendizagem instalam-se antes do ingresso da criança na escola.  E ao ingressar na escola, cuja meta é a aprendizagem formal, elas surgem mais claramente através de diferentes sintomas.
Nesse caso faz-se necessária a intervenção clínica do psicopedagogo como especialista na área.  Nosso principal objetivo é a investigação da etiologia da dificuldade de aprendizagem, como também a compreensão deste processo de aprendizagem, considerando todas as variáveis que intervém no mesmo.  Será necessário a compreensão dos aspectos cognitivos, afetivos, orgânicos, pedagógicos, sociais e culturais, como também observar as modalidades de aprendizagem utilizada pelo sujeito e que em parte também justifica o sintoma.
O psicopedagogo tem como objetivos promover a reelaboração do processo de aprendizagem do sujeito que apresente dificuldade, desenvolver no sujeito o prazer de aprender, propiciar condições para que o sujeito desenvolva autonomia, como cita Noffs (1995).
O tratamento psicopedagogo deve ter como meta abrir um espaço onde o paciente possa falar e ser escutado, para que possa entender-se e organizar-se a partir da escuta do outro.  Um espaço não para revelar o que é importante, mas para que se fale o que precisa ser reconhecido como importante.
O terapeuta, como define Alicia Fernández (1987), é alguém que com sua escuta outorga valor e sentido à palavra de quem fala, permitindo que ele se organize (começar a entender-se) precisamente a partir de ser escutado.
Segundo Alicia Fernández (1992), o objetivo de toda intervenção psicopedagógica é abrir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria de pensamento seja possível.  É a partir deste que pode surgir o sujeito aprendente.
Sara Paín define aprendizagem “como processo que permite a transmissão de conhecimento de um outro que sabe (um outro de conhecimento) a um sujeito que vai chegar a ser sujeito, exatamente através da aprendizagem”.
Alicia Fernández cita que a aprendizagem é “um processo que ocorre no vínculo entre o ensinamento e o aprendente em uma interrelação”.  Inicia quando a pessoa nasce e seus primeiros ensinantes são os pais ou substitutos que intervém na história e lhes transmitem significações.  É aí onde se constrói a matriz organizadora de posteriores aprendizagens.
Ao chegar à escola, a criança já traz uma maneira própria de aprender, uma modalidade de aprendizagem, construída através de sua história, da história familiar e da significação dada pela família ao conhecimento.
Ao nascer, o bebê necessita de cuidados especiais, é totalmente dependente, precisa de um outro que cuide dele, alimente, “uma mãe nutridora”.  Necessidades que são expressas em movimentos e sons, os quais é a mãe que significa esses sons como palavras e pensamentos.  É nesse momento que a mãe investe a criança de humanidade, ao dar um significado às necessidades do bebê e incluí-lo assim em uma cultura.  A mãe, ao outorgar, dar este amor, estabelece um vínculo com esta criança que é fundamental ao seu desenvolvimento.
Sara Paín (1985) cita quatro fatores que interferem no processo de aprendizagem, que são:  os fatores orgânicos (sensoriais, neurológicos, endocrinológicos e as condições de alimentação), fatores específicos (psicomotores, leitura, escrita), fatores psicógenos (sintoma e inibição ao nível egóico) e fatores ambientais, que incidem mais sobre os problemas escolares que sobre os problemas de aprendizagem.  E trata o não-aprender como um sintoma que precisa ser desvendado, e cujas origens estão na constituição orgânica (que estabelece os limites) e na articulação crianças-pais.
Alicia Fernández (1987) se refere às dificuldades para aprender como fraturas no processo em que três dimensões estão sempre presentes:  a do corpo, a de inteligência e do desejo.  Onde predominam fatores etiológicos referidos a causas internas da criança e a sua família não há uma causa única, nem situações determinantes do problema, o que se tem que encontrar é a relação particular do sujeito com o conhecimento e o significado do aprender.
O diagnóstico psicopedagógico subsidiará a intervenção onde a mesma apóia-se na demanda do cliente e na escuta do terapeuta psicopedagogo.  Como exemplo:  num quadro disgráfico, para promover mudanças efetivas, cabe-nos compreender a natureza da disgrafia, como ela surge e se manifesta e como está contextualizada.  A partir deste momento, observa-se quais as formas de trabalho que terão boa receptividade com o cliente.
Os aspectos subjetivos e objetivos devem ser tratados de acordo com as demandas específicas do cliente.  É necessário considerar as escolhas das diferentes modalidades de jogo, o desenho, a produção de textos, leitura e a dramatização, oportunizem a simbolização de conflitos, o que em si já é terapêutico.  Como também realizar um trabalho de orientação com a família e a escola.
No final do século XX e início deste século, a aprendizagem tem sido um tema de muita discussão e pesquisa, devido ao momento de grandes transformações e mudanças no mundo, as quais interferem diretamente na formação do indivíduo e na sua aprendizagem.
Anny Córdie cita, então, que o fracasso escolar, a dificuldade de aprendizagem se tornaram sinônimos de fracasso de vida.  Ser bem-sucedido na escola é ter uma perspectiva de vida melhor, significa “ser alguém”, reafirmando, portanto, a importância do trabalho preventivo na escola.